JURIS:CV:STJ:2009:548

Relator: Maria da Fátima Coronel

Descritores: providência extraordinária de habeas corpus; audiência contraditória preliminar; presunção de inocência do arguido; esgotamento do limite do prazo de prisão preventiva ;crime de Associação criminosa; crime de Drogas de alto risco; e de Branqueamento/Lavagem de Capitais;

Processo: 12.09

Nº Convencional: 30/2009

Data do Acordão: 27/04/2009

Votação: unânime

Meio Processual: Processo penal

Área Temática: Direito Penal e Processual Penal

Sumário

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Decisão Texto Parcial

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Decisão Texto Integral

Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: 

AA, preso preventivamente na Cadeia Civil de S. Vicente, à ordem do processo comum ordinário n°22/09, que corre termos pelo Tribunal da Comarca do Sal, invocando o disposto nos arts. 18° e 19° do CP Penal, 5° da República, veio requerer providência extraordinária de habeas corpus, com os fundamentos que a seguir se transcrevem: 

o réu/requerente encontra-se em prisão preventiva e enclausurado na cadeia civil de Ribeirinha, em S. Vicente, desde 16 de Janeiro do ano transacto (2008), por ordem do Tribunal da Comarca do Sal nos autos supra epigrafados, 

Autos nos quais o Mº Pº. deduziu, a 11 de Julho de 2008, douta acusação notificada, quarenta e oito horas depois, ao réu requerente e aos demais co-réus tendo o processo sido remetido ao tribunal em finais de Julho. 

Certo que nenhum dos arguidos requereu audiência contraditória preliminar CPP» que, assim, não foi aberta nem realizada. 

Na verdade, 
Caso tivesse sido requerida e realizada audiência contraditória preliminar (o que não foi o caso), mesmo ao abrigo do nº2 do art.º 279.º do CPP, tinha o tribunal um prazo máximo de doze meses para proferir despacho de pronúncia, isso sob pena de extinção da prisão preventiva aplicada ao réu requerente: 

Pois que a prisão preventiva 'extinguir-se-á, quando desde o seu inicio, tiverem decorrido doze meses mesmo na hipótese do prezo de oito meses (n. o 1, alínea b) do art.º 2790 do cPP) seja elevado para doze meses (n. 02 do art.º 279º do CPP). 

Entrementes, 

Não tendo o réu/requerente e nenhum dos co-réus requerido e não tendo sido aberta nem realizada audiência contraditória preliminar, não há que - proferir despacho de pronúncia, mas sim despacho equivalente à pronúncia. 
Ou seja, despacho designação audiência de julgamento: 


Por outro lado, 
Não tendo havido audiência contraditória preliminar, (ACP) existia e existe razão ainda muito mais forte para que o tal despacho equivalente à pronúncia, designando data para audiência de julgamento, não fosse proferido passados já mais doze meses do inicio da prisão preventiva do réu/requerente; 
Não tendo havido fase instrutória complementar (ACP) a cargo do tribunal, este devia e deve proferir despacho, designando data para julgamento, no prazo não superior ao prazo máximo para pronúncia (doze meses), caso tivesse havido ACP e na hipótese já da máxima elevação desse prazo, isso à luz do n. 02 do art.º 2790 Do CPP; 
Essa parece ser a interpretação que resulta do n. o 1, alínea b) conjugado com o nº2 do art.º 279 o do CPP; 
Interpretação (de resto, a única) compaginável com o argumento de maioria de razão e principais constitucionais da presunção de inocência do arguido e celeridade processual (art.º 34º, nº 1), da excepcionalidade (art.º 29º, nºs 2 e 3) e subsidiariedade (art.º 30º, nº 2) da prisão preventiva, consagrados na Constituição da República: 
Princípios constitucionais vinculando toda e cada uma das fases processuais penais, mormente o limite máximo de doze meses (ainda que ao abrigo do n. o 2 do art.º 2790 do CPP) para extinção da prisão preventiva, caso nesse prazo não tenha sido proferido pronúncia ou despacho equivalente; 
Não ignorando que, no caso em análise, o tribunal, tendo recebido os autos em finais de Julho de 2008 e devendo marcar a audiência para a data mais próxima possível, mas nunca depois de quarenta e cinco dias após essa recepção (art.º 0339, nº 1 do CPP), não proferiu despacho equivalente à pronúncia e não designou data para julgamento nos seis meses seguintes; 
Ou seja, a 16 de Janeiro do corrente ano (2009), doze meses passados do início da prisão preventiva do réu/requerente e não tendo havido sequer ACP, o tribunal não proferiu despacho equivalente à pronúncia e não designou data para julgamento. 
Despacho equivalente à pronúncia, designando data para julgamento, cuja falta fez, assim, extinguir, desde 17.01.09, a prisão preventiva do réu/requerente, certo que a 16,01.09 havia completado doze meses do início dessa mesma prisão (de sublinhar que a extinção dessa prisão preventiva ocorreu mesmo na hipótese de elevação máxima do respectivo prazo e à luz do n. 02 do art.º 279, o do CPP); 
Apesar de extinta, há já mais de três meses, a respectiva prisão preventiva, o réu/requerente continua, porém, preso e sem julgamento, cujo início, alias, foi designado para 8 (oito) de Junho, p. f., isto é, volvidos já mais de dezasseis meses do início da prisão do réu/requerente; 
Não havendo dúvida quanto ao esgotamento do limite do prazo de prisão preventiva do réu/requerente, ocorrido desde 17.01.09 por inexistência de
despacho equivalente à pronúncia, designando data para julgamento ... despacho que devia ser preterido até 16,01.09, ou seja, até doze meses do início da respectiva prisão preventiva, sob pena de extinção desta medida de coacção.
Com efeito, 
"Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há um limite máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento processual.” …” Por idêntica razão se numa determinada fase se tiver esgotado o limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase “Germano Marques da Silva, 
Curso de Processo Penal, II, pág. 315 e extracto do Ac. TRP, de 8 de Maio de 
1991, CJ, XV7, tomo 3, pág., 179, in nota de roda pé ob. e pág. Cits 
Decorrendo disso que uma vez esgotado o limite máximo dessa prisão preventiva, por inexistência de despacho equivalente à pronúncia, designando data para julgamento, desde 17.01.09., ou seja, passados mais doze meses do início dessa mesma prisão, devia e deve o réu ser posto em liberdade. Não podendo voltar a ser preso sem antes se passar a outra fase que, no caso em tela, será a condenação em primeira instância; 
E não podendo o réu requerente voltar a ser preso antes de se passar a outra fase (condenação em primeira instância), resulta evidente que essa prisão não poderá manter-se e, muitos menos, ser elevado prazo, mormente para vinte e quatro meses (e, uma vez mais, à revelia da lei, no caso, do art.º 294. o' do CPP), isso antes de se passar a outra fase, ou seja, antes da condenação: do réu em primeira instância; 
Em contínua execução; volvidos já mais de doze meses (completados desde 16.01.09) do respectivo início (a 16.01.08), sem que, até ao limite desses doze meses, fosse proferido despacho equivalente à pronúncia, designando data para julgamento (sem ignorar que nenhum dos arguidos requereu ACP), resulta extinta e manifestamente ilegal, desde 17.01.09, a prisão do réu/requerente. 
Tudo, sem ignorar que pelo grau de regulamentação das medidas de coacção, mormente da prisão preventiva, se avalia Estado de direito democrático que se tem e que tais medidas são dominadas fundamentalmente pelo principio da precariedade, segundo o qual e porque impostas a 'arguido presumido inocente, as medidas de coacção não devem ultrapassar: a barreira do «: comunitariamente suportável <~ ganhando 
 
particular expressão quando essas medidas se protelam no tempo para além do razoável - Prof. Figueiredo Dias, comunicação a propósito da caracterização do estatuto do arguido.
Pelo exposto e nos demais do direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias., julgado procedente por provado o presente requerimento, requer seja declarada extinta, manifestamente ilegal e insubsistente a prisão preventiva do réu/requerente, isso desde 17.01.09 e ainda que à luz do n°2 do art.º 279 o do CPP, requerendo seja emitido mandado de sua soltura imediata para, em liberdade provisória) aguardar o julgamento e as ulteriores tramitações do processo. 

Dando cumprimento ao previsto no art.º 20 n°1 do CPP, foi ouvido o Mmo juiz titular do processo, que informou o seguinte: 
o arguido foi detido no dia 16 de Janeiro de 2008 pela P.J. na cidade da Praia, por ordem dum Mandado de detenção fora de Flagrante delito emitido pelo MP nesta Comarca. 
Foi apresentado ao Juiz crime deste Tribunal no dia 18 de Janeiro de 2008) que no final do primeiro interrogatório Judicial, validou a detenção e decretou a prisão preventiva por haver fortes indícios de cometimento dum crime de Drogas de alto risco, pp. no art.º 30 n. o 1 da Lei n, o 78/1 V/93) de 12 de Julho, com uma moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de pena t:e prisão e ainda por fortes indícios dum crime de Associação criminosa) pp. no art.º 11., nº 1 do mesmo diploma legal, com uma moldura penal abstracta de 10 a 20 anos. 
Por despacho do dia 21de Abril de 2008 foi reexaminado a prisão preventiva e mantida, por manter os pressupostos de facto e de direito que tinha justificado a medida detentiva da liberdade. 
o arguido foi acusado totalmente pelo MP junto desta Comarca por despacho do dia 11 de Julho de 2008 como autor material dos crimes de Droga de alto risco passível de pena nos artigos 3º-em concurso real efectivo com um crime de Associação Criminosa para o Tráfico de Droga passível de pena no art.º 11.0) todos da Lei nº 78f1V193 de 12 de Julho) em referência a tabela U em - anexo e' ainda num crime de Branqueamento/Lavagem de Capitais, passível de pena no artigo 3º nº1, al. 
a) da Lei n.º 171V1/2002. 
Após remessa dos autos para o Tribunal, a prisão preventiva do arguido foi de novo reexaminado no dia 14 de Agosto de 2008) sendo mantido por não ocorrer qualquer circunstância fragilizada ou atenuadora capaz de justificar a alteração do estatuto processual do arguido em causa. No dia 29 de Janeiro de 2009 no despacho que designou a primeira data para julgamento foi também mantida o estatuto processual do arguido por subsistir os perigos interiormente considerados e que determinaram a aplicação da prisão preventiva. 
No dia 12 de Abril de 2009, no despacho que voltou a designar dia para Julgamento, foi de novo reexaminado a prisão preventiva e mantida porque as razões da sua aplicação inicialmente não se alteraram, assim devido aos tipos de crime em causa por exigências cautelares e para o sucesso e eficácia deste processo Crime foi de manter a prisão preventiva. 
Assim após o percurso processual, em que desde a detenção, passando pelo despacho que decretou a prisão preventiva, ainda pelos sucessivos despachos de reexame, mais a acusação formal do Ministério Publico junto 
deste Juízo, é de concluir que encontra reforçado o juízo de probabilidade ou seja de prognose que esteve na base da privação da liberdade do arguido, 
colocando-o em prisão preventiva porque face aos factos em processo há urna grande hipótese de no juízo final deste processo lhe seja aplicada uma pena efectiva de prisão pelos crimes que vem acusado. 
Ainda dizer que estando este processo na fase de Julgamento em primeira instância o prezo normal de duração da prisão preventiva é de 16 (dezasseis) meses, nos termos do art. 279º na 1, ai. c) do G.P.P. logo olhando para a data que o arguido foi detido, 16/01/2008, faz hoje (23/04/2009) exactamente 15 (quinze) meses e 07 (sete) dias que o arguido está preso preventivamente ou seja ainda estamos dentro do prazo normal de t8J medida de coacção pessoal aplicada. 
O prazo de duração máxima da medida foi por sua vez elevado para 24 (vinte e quatro) meses por despacho de fls. 675 e 676 dos autos, por se considerar estarmos perante um processo de especial complexidade dado aos números de arguidos em Julgamento (cincos), ambos acusados por associação criminosa para tráfico de estupefacientes, punido com pena de prisão cujo limite máximo é superior a 08 (oito) anos, portanto de estar 
preenchida os pressupostos exigidos pelo art. 279º nº 2 do G.P.P. para tal alargamento. 
Conclui que é de se manter a prisão preventiva do arguido por estar em tempo e ser legal. 
Foram notificados o Ex.mo Magistrado do Ministério Público e o ilustre mandatário dos requerentes. Procedeu -se à audiência a que se refere o art. 20° nº 2do CPP e nela fizeram uso da palavra o Exmº Procurador-Geral da República, -que promoveu doutamente o indeferimento da providência -e o ilustre mandatário, que reafirmou os fundamentos do pedido. 
Cumpre decidir. 
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que a providência de habeas corpus tem a natureza de uma medida de carácter excepcional para proteger a liberdade individual, com a finalidade de resolver de imediato situações de prisão ilegal. 
A ilegalidade da prisão preventiva susceptível de fundamentar a providência tem de basear-se em alguma das situações taxativamente enumeradas no art. 18°, a saber: 
Manter-se a prisão fora dos locais para esse efeito autorizados por lei, Prisão ordenada por entidade incompetente 
Prisão motivada por facto pelo qual a lei a não permite 
Excesso dos prazos máximos legalmente estabelecidos ou fixados por decisão judicial. 
o requerente alega que, caso tivesse havido instrução contraditória preliminar, que não houve, tinha o tribunal um prazo máximo de doze meses para proferir despacho de pronúncia. Assim, como não houve essa fase instrutória complementar, devia (e deve) o tribunal, por maioria de razão, ter proferido despacho designando data para julgamento, no prazo não superior ao prazo máximo da pronúncia (doze meses) do início da prisão 
preventiva. Motivo pelo qual, diz ainda o requerente, não tendo sido proferido despacho equivalente à pronúncia designando data para -julgamento, a prisão preventiva do requerente extinguiu-se em 17 de Janeiro do ano em curso, pelo que deve ser restituído imediatamente à liberdade.     _ 
Do processado resulta assente a seguinte factualidade. - 

O arguido encontra-se em regime de prisão preventiva decretada em 18 de Janeiro de 2008; 
Em 11 de Julho de 2008, foi formalmente deduzida acusação; 
Os pressupostos da prisão preventiva foram sucessivamente reexaminados em 21.04.,14.08, 29.01.2009 e 12.04.09 Em 29.01.09, foi designada data para julgamento; 

Em 12.04, foi designado nova data para o julgamento o dia 08 de Junho de 2009. 
Em 06.04.2009 o prazo de prisão preventiva foi elevado para 24 meses. 
o arguido não requereu instrução contraditória preliminar. 

Do que ficou resumidamente exposto, salta à evidência que, à data da introdução da presente providência de habeas corpus, o processo não se encontrava em fase de instrução, mas sim na fase de julgamento. Ou seja. 
uma vez deduzida a acusação, não tendo sido requerida a ACP, deixa de ser possível a sua realização, que aliás só pode ser requerida pelo arguido e pelo assistente, havendo-o, nos termos e condições estabelecidas nos arts. 3230 e sgts do CPP, pelo que a fase que se segue é a do julgamento. 
Ora, o que o art. 2790 pretende é fixar um limite máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinada fase processual, como ensina Germano Marques da Silva, e não um prazo de prisão para cada 
fase, como aliás sustenta o próprio requerente, que se estriba no aludido ensinamento em apoio da sua pretensão, embora para daí retirar a conclusão de que o limite da prisão preventiva se mostra in casu excedido, o 
que a nosso ver não é exacto. 
E que, com a dedução da acusação e não tendo sido requerida a ACP no prazo legalmente fixado, a fase da instrução é ultrapassada, -e o processo entra na fase seguinte, que é a do julgamento, situação em se encontra actualmente o processo em que o requerente é arguido. 
Trata-se, aliás, de entendimento que tem vindo a ser seguido por este tribunal.", não se vislumbrando razões que justifiquem a alteração desta jurisprudência. 
Assim sendo, uma vez que o prazo até ao julgamento em primeira instância é de 16 meses, podendo ainda ser prorrogado, como foi, é manifesto que não estamos perante uma situação de excesso daquele prazo, não se justificando, consequentemente, a providência de habeas corpus, à luz do disposto no art. 18°do C.P.P. 

Termos em que acordam no Supremo tribunal de Justiça em julgar improcedente o pedid por falta de fundamente bastante.  
Custo para o requerente com taxa de justiça que se fixa em 20.000$00 (vinte mil Escudos).

 

Praia, 27 de Abril de 2009
a redatora 
Maria da Fátima Coronel
Adjuntos
Arlindo Medina
Manuel Alfredo Monteiro Semedo 

Descritores:
 providência extraordinária de habeas corpus; audiência contraditória preliminar; presunção de inocência do arguido; esgotamento do limite do prazo de prisão preventiva ;crime de Associação criminosa; crime de Drogas de alto risco; e de Branqueamento/Lavagem de Capitais;