JURIS:CV:TRS:2018:25

Relator: Helena Barreto

Descritores: tráfico de estupefacientes, cadeia civil, flagrante delito, erro de aplicação da norma;

Processo: n

Nº Convencional: nº11/2018

Data do Acordão: 01/03/2018

Votação: unânime

Meio Processual: Processo penal

Área Temática: Penal

Sumário

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Decisão Texto Parcial

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Decisão Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Sotavento:

AA, com os demais sinais de identificação nos autos, foi detida em flagrante delito por indícios do cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes e apresentado no Juízo Crime do Tribunal de Comarca da Praia, para validação da detenção e aplicação de medida de coacção.

Findo o primeiro interrogatório, o Mmo. Juiz proferiu despacho determinando a prisão preventiva da arguida, indiciada pelo cometimento de um crime de tráfico de droga, p. p. pelo artigo 3º, da Lei nº 78/IV/93, de 12 de julho, por ter sido encontrado na sua posse, quando ia entrar no Estabelecimento Prisional de S. Martinho, 127,319 gramas de cannabis, acondicionados dentro de pimentos.

 

Inconformada, recorreu a arguida, alegando, em conclusão, o seguinte:

19. Assim sendo entendemos que o despacho proferido pela Mmª. Juiza, foi num tanto exagerado sem dar a oportunidade de outra medida que não seja a de privasão de liberdade;

20. Não é verdade que a recorrente continuará na prática de acto ilícito, porque nunca cometeu quaisquer crimes, menos ainda tráfico de droga;

21. Há quase cinco anos que a recorrente frequenta a cadeia Civil de São Martinho nunca foi referencia nem indicada como pessoa delituosa;

22. A recorrente trabalha para sustentar a sua filha com quem reside;

23. A recorrente nunca teve problema com policia ou qualquer indolo criminal e nem foi condenado por quaisquer crime;

24. Deve ser considerada o erro notório da aplicação das normas acima referenciada;

25. Deve ser levado em consideração a filha menor que ela tem sobre o seu encargo de forma permanente porque o pai da menor faleceu;

26. O facto da recorrente ter admitido que foi ela quem entregou o coarguido BB a bolsa não significa que a droga que continha dentro era dela ou foi ela que as introduziu;

27. Portanto segundo as suas proprias declarações, a bolsa pertence a um rapaz que ela identificou e mostrou pronta para colaborar com a justiça, sendo que o processo esteja ainda no inicio, torna-se dificil usar esses fatos contra o recorrente;

28. Diz a Mmª. Juiz que ao aplicar a medida que aplicou estaria a proteger o bem jurídico que é a saúde, mas esqueceu de um outro bem jurídico que é a familia e o direito de uma criança também merece ser protegido;

29. A Mmª. Juiza não demostrou o grau da gravidade que obrigasse a única medida;

30. De uma certa forma a filha menor da recorrente ficou prejudicada nesse sentido, quando é permitida que a recorrente poderia estar a aguardar os demais tramites processual em Liberdade e de acordo com os artigos citados anteriormente;

31. Assim sendo e de acordo com o principio da presunção da inocência p.p. no artigo 1° do C.P.P. em conjugação com o artigo 35° n° 1 da CRCV;

32. A falta existência de razões suficientes para uma fundada presunção de que a pessoa a deter seja agente de um ilícito penal (são os chamados índices racionais da culpabilidade, objectivados na ocorrência de flagrante delito ou no facto de estarem reunidos fortes indícios de prática do crime e da sua imputação ao agente);” (SIC)

Pelo exposto, requer o provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que decreta a medida mais gravosa para uma medida menos gravosa que não seja a de privação de Liberdade;

*

O Magistrado do M. P. junto do Tribunal recorrido não respondeu ao recurso.

Nesta Instância, o Exmo. Sr. Procurador de Círculo teve vista no processo e em douto parecer defendeu a improcedência do recurso, tendo concluído nos seguintes termos:

A – Existem e existiam no momento da aplicação da medida de prisão preventiva da arguida, fortes indícios de que a mesma cometeu o crime de tráfico de estupefacientes, cujo enquadramento se recaiu no artigo 3° da Lei n. ° 78/1V/93, de 12 de julho;

B – Assim, não assiste razão à arguida quando alega, "erro na aplicação da norma", pelo facto do tribunal, na esteira do Ministério Público entender enquadrar a conduta da arguida no artigo 3° da Lei da droga;

C – Com efeito, os autos ainda se encontram numa fase embrionária, pelo que, a qualificação jurídica levada a cabo, pode muito bem vir a ser alterada, de acordo com aquilo que resultar das investigações;

D – De qualquer forma se dirá que qualquer que for o enquadramento, o crime é sempre punível em abstrato com pena superior a três anos de prisão, pelo que se encontra preenchido o primeiro requisito para a aplicação da prisão preventiva - n.° 1, do artigo 290° do CPP;

E – O douto despacho recorrido encontra-se fundamentado, com respeito estrito para o

disposto na alínea c) do artigo 275° do CPP, mostrando, de momento ser a prisão preventiva a única medida adequada a salvaguardar a gravidade dos factos;

F – Com efeito, consegue de forma clara, pese embora sucinta, demonstrar a real existência do perigo de continuação da atividade criminosa;

G – De igual modo mostra a existência de perturbação para a instrução, caso a arguida for restituída em liberdade;

H – Concluindo, finalmente e bem que, a aplicação da prisão preventiva, se mostra no caso em apreço, como sendo a medida de coação mais adequada e proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada.” (SIC)

*

Colhidos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir o presente recurso.

*

É do seguinte teor o texto do despacho recorrido:

A detenção dos arguidos BB e AA é legal porque efectuada em flagrante delito, tendo estes sido apresentado no prazo legal de 48h, pelo que a valido, nos termos do disposto nos artigos 264° aln. a), 265° e 266° do C.P. Penal.

Indicia-se a prática pelos arguidos de um crime de trafico de produto estupefaciente, pp pelo artigo 3° da lei n°78/IV /93, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Resulta dos autos que no dia sete do mês de Outubro do ano 2017, os arguidos dirigiram-se ao estabelecimento prisional de S. Martinho, para visitar reclusos; a arguida AA entregou ao arguido BB um saco de pimentão, para entrar no estabelecimento; ao passar pelo aparelho de scanner, apercebeu-se que a bolsa continha algo estranho; encontraram nesta pimentão, contendo produto estupefaciente; o arguida AA admitiu que entregou a bolsa ao arguido BB: o embrulho continha 127,319g, de produto que submetido a exame toxicológico reagiu positivamente para derivados de cannabis.

Submetidos os arguidos ao primeiro interrogatório judicial, o arguido BB disse que foi visitar o irmão que está a cumprir pena de prisão; tinha dois mil escudos para entregar ao irmão e como na prisão só podia entrar com mil escudos, pediu a arguida AA que lhe entregasse mil escudos; esta disse-lhe que em contrapartida devia entrar com a bolsa que continha pimentão, pois tinha excesso no peso a que tinha direito, para entrar no estabelecimento; anuiu e entrou com a bolsa, só que não sabia o que conteúdo desta.

A arguida confirmou as declarações do arguido BB, dizendo que a bolsa que continha pimentão tinha sido entregue: por um "tal de rapaz'. que estava na porta do estabelecimento.

Perante os factos sumariamente descritos, impõe-se aplicar umo medida de coacção aos arguidos, cfr. o disposto no art. 261 °n° 2 do CPP.

Analisado o pressuposto para a aplicação de qualquer medido de coacção (máxime a prisão preventiva) consubstanciado na existência de fortes indícios da prática de um crime doloso, punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, cabe indagar a presença de exigências cautelares para de seguida se apurar quais das medidas de coacção, consagrados na enumeração taxativa firmado no artigo 272° do CPP se mostra adequada e suficiente para fazer face às tais exigências.

O artigo 276° do CPP. em matéria de exigências cautelares, aponta para necessidade de se acautelar o perigo de fuga (a) perigo concreto e actual para a aquisição. conservação ou veracidade de prova que se mostre exigência específico e inderrogável paro as investigações em curso (b) e perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa (c). Para além disso não se pode perder de vista que a prisão preventiva é uma medida de último ratio, podendo e devendo ser preterido em benefício da aplicação de uma medida de cariz não privativa da liberdade, desde que esta se mostre adequada e suficiente paro acautelar os perigos supra evidenciados.

Dispõe o art. 290. ° do CPP. dispositivo legal que cuida especificamente da medida de coação prisão preventiva, no seu n° 1, que “poderá o juiz sujeitar a prisão preventiva, quando houver fortes indícios de prática de um crime doloso punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as outras medidas de coação”. Acrescenta o n° 2 que será sempre ilegal a detenção ou a prisão preventiva destinada a obter os indícios referidos no numero antecedente”. Finaliza o n° 3 rezando o seguinte: "sempre que aplicar a prisão preventiva, na exposição a que se refere a alínea d) do art. 275° deverá o juiz fazer constar as razões por que entende não serem adequadas nem suficientes outras medidas de coação pessoal”.

Resulta, pois, da conjugação desses dois artigos que a prisão preventiva só é de aplicar nos casos em que estamos perante indícios fortes da prática de crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, de forma subsidiária e arrimados no princípio da proporcionalidade em sentido amplo, na sua tríplice dimensão (adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

Portanto, num determinado caso, só é lícito e legítimo actualizar os comandos aplicação da medida de prisão preventiva, quando (e só quando), "indícios fortes da prática de um crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos e convocadas as demais medidas de coação lograrem inadequadas e insuficientes face as exigências cautelares que no aludido caso se fazem notar. Assim, a prisão preventiva estaria no último degrau das medidas de coação pessoal.

Revertendo ao caso concreto, temos que a arguida AA admite, que foi ela quem entregou a bolsa com os pimentos ao arguido, BB, apesar de querer convencer o tribunal que não sabia o conteúdo da mesma.

Ora, de algum tempo a esta parte, o tribunal vem confrontado com muitos processos de pessoas que tentam introduzir produto estupefaciente na cadeia, para venda, obtendo assim o lucro fácil

Como é sabido, o crime em tela visa proteger o bem jurídico saúde ou a saúde da colectividade, sendo, pois, um crime pluriofensivo já que atenta contra a saúde e a integridade física e psíquica dos cidadãos.

Atendendo à gravidade do crime imputado a quantidade e qualidade de droga apreendida, a forma de acondicionamento, local onde o produto foi apreendido, os efeitos nefastos da mesma e porque o processo se encontra, ainda, na fase inicial de investigação, entende-se que, a arguida AA deverá aguardar os ulteriores trâmites do processo em prisão preventiva, a única medida de coação adequada e proporcional à gravidade do crime, suficiente para obstar o perigo de continuação de actividade criminosa e de permitir a realização dos fins processuais, visados, ao abrigo do disposto nos artigos conjugados 276° nº 1, al. c) e 290°, do C.P.P. o arguido BB, aguardará os ulteriores tramites processuais mediante a medida de coação TIR e proibição de contatar o irmão no estabelecimento prisional de S. Martinho nos termos do disposto no art. 272° nº1 aln a) e g) do C.P.Penal.

Passe mandados de soltura e de condução à cadeia.” (SIC).

*

Factos mais relevantes:

- A arguida foi presa em flagrante delito, juntamente com o coarguido BB, quando foram efetuar visita aos reclusos do Estabelecimento Prisional da Praia:

- A arguida pediu ao coarguido BB que lhe passasse com um saco que continha pimentos, porque ultrapassara o peso permitido para entrar no Estabelecimento Prisional (doravante EP):

- Ao passar pelo scanner foi encontrado no interior dos pimentos que se encontravam na referida bolsa produto suspeito de ser estupefaciente, que submetido ao exame toxicológico reagiu, positivamente, para derivados de cannabis e pesava 127,319 grs. (peso bruto);

- Confessou que tinha sido ela quem pediu ao coarguido que entrasse com a bolsa, mas alegando ter recebido a mesma de um rapaz e que nada sabia acerca seu conteúdo;

- Apresentada ao Meritíssimo Juiz, foi submetida a primeiro interrogatório judicial, na sequência do qual lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, indiciada da prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. ao abrigo do disposto no artigo 3º, da Lei n.º 78/IV/93, de 12 de julho.

- Estribou-se o despacho recorrido na gravidade do delito, na quantidade da droga apreendida, na forma como a mesma se encontrava acondicionada, no local da apreensão, nos efeitos nefastos da droga apreendida, para entender haver perigo de continuação da actividade criminosa e justificar a aplicação da medida mais gravosa.

*

A arguida entende que houve “erro de aplicação da norma”, por, no seu entender, o melhor enquadramento juridico da sua conduta dever ser o do artigo 6 º – tráfico de menor gravidade – do diploma que pune o tráfico de estupefacientes, atento á quantidade do produto apreendido, para além de entender que  o despacho recorrido carece de fundamentação, porquanto não ficou demonstrada a necessidade de aplicação da medida de prisão preventiva, mostrando-se, assim, a decisão, em flagrante contradição com o disposto no artigo 262º do C. P. Penal[1].

 

- Do enquadramento jurídico:

Defende a recorrente que os factos pelos quais se mostra indiciada devem ser enquadrados no artigo 6º da Lei n.º 78/IV/ 93, de 12 de julho, atento ao facto da quantidade apreendida ser diminuta e ter recebido o produto de outra pessoa.

Sem mais delongas, começamos por afirmar que não tem razão a recorrente.

Senão, vejamos:

Começando pela segunda razão aduzida pela recorrente, nada nos autos leva a concluir que teria recebido o produto de outrem, porquanto não identifica esse alguém, apenas alegando ser “um rapaz”. Sequer diz a quem se destinava o produto.

Analisando a primeira razão:

Efetivamente, a quantidade da droga apreendida (e não só, posto que a previsão do artigo 6º não é taxativa), costuma ser atendida para considerar que a ilicitude se mostra diminuída.

 Dispoe o artigo 6º em referência, nos seguintes termos: “Se, nos casos previstos nos artigos 3º, 4º e 5º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de 1 a 5 anos se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I, II e IV; b) Prisão até 2 anos e multa correspondente se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas na tabela III.

De acordo com Fernando Gama Lobo[2], em anotação ao artigo 25º, do diploma português que pune o tráfico de droga, semelhante ao nosso artigo 6º, “no domínio do tráfico de menor gravidade o que releva é a imagem global do facto, tudo dependendo da apreciação e consideração conjuntas das circunstâncias, parâmetros mencionados neste artigo. Na verdade, tratando-se de um crime de perigo, o grau de ilicitude varia em função do grau de aptidão do tráfico para a criação do maior ou menor perigo para a saúde pública.

A incriminação do tráfico visa proteger a saúde pública do perigo (abstrato) que advém da prática, fora das condições legais, de quaisquer atos sobre estupefacientes; 

Podendo tais atos, conforme as circunstâncias, assumir diferentes gradações, o legislador agravou nuns casos a ilicitude e a punição, enquanto noutros a privilegiou; 

É a valoração global do fato à luz da realidade social e das opções de política criminal que permitem aquilatar do grau de ilicitude do mesmo.

Efetivamente, a quantidade de droga apreendida à recorrente é diminuta –127.391gramas (peso bruto).

E em caso de quantidades igual a dos autos ou mesmo até superior, esta Instância tem entendido, em conjugação com outros fatores do caso, enquadrar os fatos no artigo 6º.

Contudo, esqueceu-se a recorrente que tentou introduzir droga no EP, até de forma ousada, levando, um saco, contendo pimentos, com uma porção de um produto vegetal (cannabis), dissimulada no interior dos mesmos e, dessa forma, o introduzisse no interior do E.P. e, eventualmente, o entregasse, aquando da visita, a algum recluso, para consumo ou até mesmo para revenda, no meio prisional.

O legislador cabo-verdiano previu algumas circunstâncias agravativas no seu artigo 8º, nos quais se inclui o EP. Reza, deste modo, o referido preceito: “As penas previstas no artigo 3º a 7º são aumentadas de um quarto nos seus limites minimo e máximo se: h) A infraccão tiver sido cometida (...) em estabelecimento prisional (...)”.

Sendo que, desta forma, a moldura abstrata passa a ser de 4 a 15 anos no caso do crime do artigo 3º e de 1 ano e 3 meses a 6 anos e 3 meses, no caso do crime do artigo 6º.

A gravidade do fato radica no especial perigo para a saúde da população prisional – particularmente vulnerável, vulnerabilidade que é imanente ao tráfico nesse local. 

Sabemos que a droga no EP tem tido consequências devastadoras para os reclusos (grassam a sida e a hepatite).

Ainda que o produto não pertença à arguida, ainda que a tenha levado a mando de outrem, a mera detenção ilícita de estupefacientes não deixa de constituir crime de tráfico. 
Assim sendo, somos a entender que improcede o recurso nesta parte, ainda que o enquadramento jurídico venha ser, no decurso do julgamento, efetuado pelo artigo 6º, visto que a moldura abstrata se mostra agravada, pelo facto de a infração ser cometida em E.P., nos termos do disposto na al. h), do artigo 8º, da Lei n.º 78/IV/ 93, de 12 de julho.  

*

- Da falta de Fundamentação do Despacho Recorrido:

 Dispõe o artigo 275º do C. P. Penal, que “o despacho que mandar aplicar medida de coacção pessoal (...) conterá sob pena de nulidade:

(…);

c ) – a indicação sumária dos factos concretos imputados ao arguido, se possível com indicação do tempo, lugar e modo dos mesmos;

d) a exposição sumária das específicas exigências cautelares e dos indícios que justifiquem, no caso concreto, a adopção da medida, a partir da indicação dos factos que revelam aqueles indícios e dos motivos pelos quais se mostram relevantes, tendo em conta, nomeadamente o tempo decorrido desde a realização do facto punível”. (Sublinhado nosso).

Nos termos do que dispõe o n.º 2 do artigo 261º, “a aplicação de qualquer das medidas cautelares processuais (…) pressuporá ou dependerá da comprovada existência de fortes indícios de prática de um crime por parte do suspeito ou do arguido, consoante se tratar, respectivamente, da primeira ou das restantes medidas previstas no artigo 259º”;

Ora, resultando dos autos que a arguida foi detida, em flagrante delito, na posse de plantas de cannabis, não podem resultar dúvidas acerca da existência de fortes indícios de cometimento do referido crime e da sua imputação ao arguido, facto que aliás não contesta (apenas alega não ter conhecimento de que os pimentos continham o produto no seu interior).

Importa, pois averiguar, se na escolha da medida a aplicar, o referido despacho obedeceu aos critérios do artigo 262º, ou seja, acerca da proporcionalidade, da adequação e da suficiência da medida, coativa, aplicada.

Referiu-se, já, que o Mmo. Juiz a quo aplicou a medida de prisão preventiva fundamentando-se na continuação da actividade criminosa, atento à gravidade do delito, na quantidade da droga apreendida, na forma como a mesma se encontrava acondicionada, no local da apreensão, nos efeitos nefastos da droga apreendida.

De acordo com o disposto no artigo 262º, são três os princípios erigidos como indispensáveis à aplicação das medidas de coacção:

- O da adequação – a medida a selecionar deve ser a mais ajustada às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto.

- O da proporcionalidade – essa medida deve “jogar” com a gravidade do crime e as sanções que se prevê venham a ser aplicadas.

- O da subsidiariedade – a medida de prisão preventiva, como a mais grave da escala, só em última instância deve ser utilizada, ou seja, quando as demais forem julgadas inadequadas ou insuficientes para a situação concreta (critério da ultima ratio) – (Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal, Anotado, Rei dos Livros, I, pág. 957).

A eles acresce, ainda, o princípio da legalidade, cujo corolário lógico é o da tipicidade e o carácter taxativo da mesma, previsto no artigo 259º.

Nos termos do que dispõe a alínea c), do artigo 276º, o perigo de continuação da actividade criminosa inferir-se-á das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade.

Ora, no que se refere ao perigo de continuação da actividade criminosa invocado na decisão recorrida, como se viu, o despacho recorrido fundamentou-o na gravidade dos fatos, no local dos mesmos, tal como emergem da fatualidade supra descrita, na quantidade de droga apreendida.

Por outro lado, se é certo que a arguida nega que o saco lhe pertencesse, não é menos certo que a recorrente tentou com que outra pessoa entrasse com o mesmo, pelo que, não podia desconhecer o conteúdo do mesmo.

Tais circunstâncias revelam um modo de atuação com alguma sofisticação em ludibriar, procurando passar a responsabilidade dos seus atos a terceiros, sugerindo alguma habitualidade e à-vontade na atuação, apesar de não se lhe conhecer antecedentes criminais. Outrossim, é a própria arguida quem afirma que há quase 5 anos que vem frequentando o E.P. Entendemos, assim, existir perigo de continuação da atividade criminosa em face do modo de atuação da arguida, que provavelmente contava com alguma cumplicidade do meio do tráfico/consumo existente no E.P.

Acresce a não apresentação, por parte da recorrente, de qualquer juízo de censura sobre os fatos que possa dar guarida a uma mudança de atitude que legitime uma tomada de posição prospetiva de afastamento do risco às cumplicidades inerentes a este tipo de criminalidade. 

Assim sendo, entendemos que, pela sua moldura abstrata, o crime permite a aplicação de uma medida restritiva da liberdade do arguido e que, in casu, no que à escolha da medida de coação a aplicar respeita, cumpre considerar que apenas a prisão preventiva se mostra adequada e proporcional ao perigo de continuação da atividade criminosa que se faz sentir, mostrando-se o despacho devidamente fundamentado.

Refere a recorrente, ainda, o fato de ser mãe de uma crianca orfã, portanto, totalmente dependente dela. A este respeito, dispõe o artigo 291º que: “1. Salvo quando as exigências de natureza cautelar se mostrarem de excepcional relevância, não poderá ser imposta prisão preventiva a: a) Mulheres em estado de gravidez ou que tenham a seu cargo filhos com idade inferior a três anos, ou a pai que tenha a seu cargo filho dessa idade, quando a mãe seja falecida ou, em todo o caso, esteja absolutamente impossibilitada de lhe prestar assistência.

Apesar da filha ser orfã de pai, verifica-se do registo de nascimento da mesma, que nasceu em 14 de setembro de 2012 – doc. de fls. 5 –, contando, portanto, neste momento, mais de 3 anos de idade, pelo que a recorrente não preenche um dos requisitos exigidos pelo preceito em referência para não lhe ser imposta a prisão preventiva; e, ainda que a filha fosse menor de 3 anos, sempre haveria que se averiguar acerca da excecional relevância ou não das exigências cautelares.

Termos em que, e por tudo quanto se deixa descrito, decide-se que a arguida deve aguardar os ulteriores termos do processo na situação em que se encontra.

*

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Sotavento em confirmar o despacho recorrido, devendo a arguida aguardar os ulteriores trâmites do processo na situação de prisão preventiva, em que se encontra.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5.000$00 (cinco mil escudos).

Registe e notifique.

 

(Processado por computador e revisto pela relatora – artigo 120º/2, CPP)

 

Assomada, 1 de março de 2018

 

 

Helena Barreto

(relatora)

 

 

Descritores:
 tráfico de estupefacientes, cadeia civil, flagrante delito, erro de aplicação da norma;