JURIS:CV:TRB:2017:4

Relator: N/D

Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE DROGA DE ALTO RISCO; MEDIDAS DE COAÇÃO; PRISÃO PREVENTIVA; NULIDADE;

Processo: 10.16.17

Nº do Documento: 02/16-17

Data do Acordão: 01/02/2017

Votação: Unanimidade

Texto Integral: S

Meio Processual: Recurso Ordinário

Indicações eventuais: Negar provimento ao recurso interposto

Área Temática: Direito Penal | Direito Processual Penal

Legislação Nacional: Lei nº 78/IV/93, de 12 de Julho [3º, nº 1] Lei nº 31/VIII/2013, de 22 de Maio [90º, c)] Código de Processo Penal [275.º d); 290.º, n.º 1; 459, n.º 1]

Sumário

Não disponível.

Decisão Texto Parcial

Não disponível.

Decisão Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Barlavento

1‑AA, mcp “J”, filha de ….e ….., nascida a ….., solteira, doméstica, natural da freguesia e concelho de Santa Catarina, residente antes de presa, preventivamente, na zona de …., Boavista, e

2‑BB, mcp “F”, filho de …… e…., nascido a…., solteiro, criador de animais, nascido na freguesia e concelho de Santa Catarina, residente antes de preso, preventivamente, na zona de…..,Boa Vista, ambos arguidos nos autos de instrução registados sob o nº 161/2016/17 que corre seus trâmites no Tribunal Judicial da Comarca de Boavista, inconformados com o despacho do Mmº Juiz a quo que lhes aplicou a medida de coação‑prisão preventiva por os ter considerado fortemente indiciados na prática de um crime de tráfico de droga de alto risco, p.e.p, pelo artigo 3º, nº 1 da Lei nº 78/IV/93, de 12 de Julho, com pena de prisão de 4 a 12 anos; e de um eventual crime de detenção de arma p.e.p, pelo artigo 90º, c) da Lei nº 31/VIII/2013, de 22 de Maio; vêm, em 16.11.2016, dele interpor recurso ordinário, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça.

Para tanto, alegam e apresentam as conclusões seguintes:

"1. Não é comprovada a exigência de fortes indícios de que os ora recorrentes estavam a vender os produtos estupefacientes apreendidos e nem que eles os pertencia.

2. É inadequada a exigência cautelar que no caso concreto se justifica a aplicação aos ora recorrentes a medida privativa da liberdade, prisão preventiva.

3. Não estão enunciados expressamente no despacho recorrido os factos que revelam concretamente o perigo da continuidade da prática de factos ilícitos da mesma natureza a

que se imputa aos ora recorrentes.

4. Nao estão expressamente descritos no despacho recorrido os factos que revelam indícios que justificam, no caso concreto, aplicar aos ora recorrentes tal medidas de coaçao pessoal.

5. Assim não ficou demonstrado a razão pela qual tais indícios se mostram relevantes tendo em conta as condições em que os produtos estupefacientes foram encontrados.

6. Por tudo isto, o despacho recorrido é nulo.”

Por despacho de 07.12.2016, o Mmº Juiz a quo ordenou a subida dos autos ao Tribunal da Relação de Barlavento ou seja ao Tribunal competente.

Submetidos os autos à vista do Ministério Público, junto do Tribunal ad quem (fls.19), o Exmº Senhor Procurador‑Geral da República emitiu o seu douto parecer, expressando, em jeito de conclusão (fls.25 a 29) que, "o presente recurso não merece provimento, devendo ser mantido o ora despacho recorrido nos seus precisos termos, pois que são fortes os indícios da prática pelos arguidos do crime pelo qual vêm indiciados, estando suficientemente demonstrado/fundamentado as exigências cautelares e bem assim a adequação, necessidade e proporcionalidade da prisão preventiva, não enfermando o despacho ora recorrido de qualquer nulidade".

O recurso é o próprio, tendo‑se‑lhe mantido o efeito devolutivo (.art.459, n.º1 do CPP) (fIé.45).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

 

Apreciando.

Antes de mais, importa, aqui, consignar os indícios descritos pelo Mmº Juiz a quo no seu douto despacho recorrido (fls.13).

"Indiciam fortemente os autos que os arguidos, AA e BB, que vivem em união de facto como se de marido e mulher se tratassem há cerca de 27 anos, donde procriaram quatro filhos; residentes na localidade de …., nos arredores ….., guardaram na residência de ambos e nos arredores da mesma, cerca de trinta e uma quilogramas de uma erva, vulgarmente conhecida por "padjinha", dentro de um "bidon" de cor alaranjada, nos anexos à residência e dentro de uma mochila. Dentro do referido "Bidon"foi encontrado vinte e um embrulhos de bolsas de plástico, envoltos em fitas adesivas, contendo no seu interior "Cannabis "; dentro de uma mochila de marca "Disney", uma outra porção de "Cannabis', envolto em uma bolsa de plástico; cerca de cento e vinte mil escudos; vinte euros; uma caixa de papel "Rizla", com noventa pacotes; uma catana e uma faca.

Os arguidos habitam sozinhos na referida residência.,, (.) Dedicam‑se à criaçao de animais que vendem, sendo ainda que a arguida AA, dedica‑se à venda de Aguardente. Nos arredores da referida residência, uma, "barraca", os arguidos concebem um outro espaço onde guardam os utensílios que usam nas lides de cuidar de animais, nomeadamente dois "bidons" (...)boias. Na vizinhança foi construída mais duas barracas habitadas por outras pessoas".

Tendo em conta o objecto de recurso, delimitado nas conclusões dos recorrentes, ou seja, a nulidade do despacho recorrido por violação da alínea d) do artigo 275º do CPP, importa dar respostas, essencialmente, às questões seguintes:

1‑Há no despacho recorrido fortes indícios de que os arguidos praticaram o crime de que vêm indiciados (fummus deliti comissi)?

2‑A medida de coação aplicada aos arguidos‑prisão preventiva‑ é adequada às exigências cautelares (periculum libertatis)?

Quanto à primeira questão, dispõe o nº1, do artigo 290º do Código Processo Penal que, "Poderá o Juiz sujeitar o arguido a prisão preventiva, quando houver fortes indícios de pratica de crime doloso punível com prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos, se considera inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigosantecedentes,"

A lei não define o conceito de fortes indícios mas em termos comuns indícios significa sinais, vestígios.

Assim, indícios refere‑se a conjunto de elementos de provas já recolhidos no processo.

Há fortes indícios, quando, deles resulte uma alta ou séria probabilidade de futura condenação do arguido.

Para os recorrentes, não existem fortes indícios de que estavam a vender os produtos estupefacientes apreendidos, baseando‑se nas suas próprias declarações prestadas durante o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em que asseveram, que a droga apreendida não lhes pertencia, mas sim a alguém que certamente os quis incriminar, por inveja, por causa da criação deanimais, sem ter demostrado, no entanto, a mínima ideia de quem seja.     

Na verdade, dos indícios descritos pelo Mmº Juiz a quo no despacho recorrido, suportados por auto de detenção (fls.34) e outros elementos careados para os autos, nomeadamente auto de apreensão (fls.35), auto de pesagem (fls.37), autos de teste rápido (fls.38 a 42), fotografias digitalizadas, (fls.15 a 18) e depoimentos prestados pelos arguidos (fls. 11 e v e 12 e v), não constam, expressamente, que estes foram detidos a vender tal produto, nem que foi encontrado nas suasposses, mas sim que, "(...) guardaram na residência de ambos e nos arredores da mesma, cerca de trinta e uma quilogramas de uma erva, vulgarmente conhecida por "padjinha", dentro de um "bidon" de cor alaranjada, nos anexos à residência e dentro de uma mochila. Dentro do referido "Bidon "foi encontrado vinte e um embrulhos de bolsas de plástico, envoltos em. fitas adesivas, contendo no seu interior "Cannabis"; dentro de uma mochila .e marca "Disney", uma outra porção de "cannabis ", envolto em uma bolsa de plástico; cerca, de cento e vinte mil escudos; vinte euros; urna caixa de papel "Rizla (...).

Convém realçar que, face às actividades profissionais dos arguidos, à quantidade, tanto da droga como do dinheiro apreendidos; ao modo como a droga estava acondicionada, assim como à presença de papel Rizla aprendido, conjugados, legitimam inferir‑se, sem dúvidas razoáveis, uma vez que estamos perante fortes indícios e não de provas, que ela (a droga) era pertença dos arguidos e que já estava sendo comercializada.

Nesse sentido, por enquanto, parece‑nos acertada a qualificação jurídica dos indícios, nos termos do despacho recorrido, sem prejuízo, porém, dessa qualificação vier a ser alterada, posteriormente, com e bem vaticinou o Mmº Juiz a quo no seu douto despacho recorrido, "Os factos descritos, sem prejuízo de desenvolvimento posterior no âmbito da instrução e de uma consequente adequação da qualificação jurídica, consubstancia, em tese, a prática de um crime de tráfico de droga de alto risco, p.e.p, pelo artigo 3.º da Lei n.º 78/IV/93, de 12 de Julho (...)".

Quanto à 2ª questão, tem a ver com a fundamentação das exigências cautelares.

Dispõe a alínea d) do artigo 275º do C.P.P que, o despacho que mandar aplicar a medida de coacção conterá, sob pena de nulidade:

“A Exposição sumária das específicas exigências cautelares e dos indícios que justificam, no caso concreto, a adopção da medida, a partir da indicação dos factos que revelam aqueles indícios e dos motivos pelos quais se mostram relevantes, tendo em conta, nomeadamente o tempo decorrido desde a realização dofacto punível."

Para os recorrentes, o despacho recorrido é nulo, nos termos do artigo transcrito,porquanto, é totalmente omisso quanto à fundamentação no que diz respeito a elementos de factos que revelam concretamente o perigo da continuidade da actividade criminosa.

A nosso ver, não é assim.

Vejamos o que diz o Mmº Juiz a quo, a respeito, no seu despacho recorrido.

"Assim sendo, face à promoção do MP e, tendo em conta os fortes indícios existentes nos autos na prática dos crimes, por parte dos arguidos, aliado ao facto da gravidade dos mesmos; à grande quantidade de droga apreendida, à forma como estava acondicionada, bem como a nova estratégia utilizada pelos "traficantes" de colocarem a droga o mais afastado possível da sua residência; o perigo concreto de perturbação para a aquisição ou conservação da prova, já que certos factos destes autos estão relacionados com outros, nomeadamente com o roubo de droga e armas no Tribunal; o real perigo de continuação da mesma actividade criminosa por parte dos arguidos são razões suficientes que ditam que outras medidas de coaçao pessoal, nomeadamente apresentação periódica junto das autoridades policiais, interdição de saída do território nacional são insuficientes e inadequadas para acautelarem as exigências processuais que o caso reclama”.

“Destarte, face às necessidades cautelares que ao caso impõem, as medidas de coacção necessárias e adequadas à respectiva prevenção, atento à proporcionalidade da gravidade dos factos, por um lado e por outro à insuficiência e adequação das outras medidas, entendo que só a aplicação do TIR e da Prisao preventiva, salvaguardam convenientemente as exigências cautelares."

Ora!

Os recorrentes podem e devem discordar do conteúdo da fundamentação do Mmº Juiz a quo quando há razões para o efeito, o que é natural e até salutar para a sindicância e aprimoramento das decisões do tribunal.

No entanto, a nosso ver, in casu, discordando do conteúdo do despacho do Mmº Juiz a quo, os recorrentes não demostraram ter razão, face ao conteúdo do despacho transcrito nos parágrafos precedentes, quando afirmam que, o despacho recorrido é totalmente omisso quanto à fundamentação de elementos de factos que revelam concretamente o perigo da continuidade da actividade criminosa. Porém, a quantidade de droga apreendida, a forma como estava acondicionada, o dinheiro apreendido revelam precisamente o que os recorrentes querem ignorar.

Assim, entende este tribunal de recurso que o despacho recorrido não enferma de qualquer

nulidade, porquanto existem fortes indícios da prática do crime pelos quais os arguidos vêm indiciados, estando suficientemente demostrados, e fundamentadas as exigências cautelares assim como a adequação, necessidade e proporcionalidade da prisão preventiva.

Por todo o exposto

Acordam os senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Barlavento em:

Negar provimento ao recurso interposto,mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos, porquanto o mesmo não enferma em nenhuma nulidade.

Custas, com taxa de justiça fixada e manteve-se em 15.000$00(quinze mil escudos) ,e procuradoria a fixar cujo o valor fixado no montante correspondente a 1/3 da taxa de justiça fixada.

Notifique-se.

Mindelo, 01 de fevereiro de 2017 

Descritores:
 CRIME DE TRÁFICO DE DROGA DE ALTO RISCO; MEDIDAS DE COAÇÃO; PRISÃO PREVENTIVA; NULIDADE;